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O crítico Hugo Sukman, em O Globo, achou o título perfeito para seu artigo:
De volta às melhores Coisas da vida. Coisas é o disco do compositor, arranjador, maestro e instrumentista Moacir Santos, de 1965 – dez faixas intituladas simplesmente Coisas (numeradas de 1 a 10, mas fora de ordem), embora algumas tenham recebido letra e títulos com que circularam fora do disco (Coisa n.º 5, por exemplo, ficou conhecida no mundo profano como Nanã e, por muitos anos, rendeu um providencial dinheiro a seu letrista Mario Telles).
Coisas só agora volta ao lugar de onde nunca deveria ter ficado ausente: as prateleiras das lojas. E volta com uma força, uma originalidade e uma beleza que, se se disser que foi gravado ontem, ninguém terá razão para duvidar. Mas é claro que ele vem de outros tempos, de outro mundo, outro país – um país também chamado Brasil, mas onde havia uma indústria, dita fonográfica, que estranhamente trabalhava com música.
Esses 39 anos de sumiço dizem muito sobre as cabeças que presidem nossas gravadoras. Coisas foi produzido originalmente pela Forma, o pequeno e corajoso selo que o produtor carioca Roberto Quartin conseguiu sustentar durante três anos na década de 60. A Forma era uma espécie de Elenco, só que ainda mais atrevida e experimental. Vencido pelo mercado, Quartin vendeu as matrizes de seu catálogo (18 formidáveis LPs) para a então Philips, que depois se tornou a Polygram e hoje é a Universal. A poderosa compradora contentou-se em ser apenas a dona da Forma: sentou-se em cima, não fez nada com os discos e, até outro dia, não deixou que ninguém fizesse. O próprio Quartin levou as décadas seguintes tentando convencê-la a repor em circulação o catálogo completo, do qual Coisas era a jóia da coroa – sem sucesso. Quartin morreu em abril último, amargurado porque seu grande disco afinal iria sair, mas isoladamente e por iniciativa de outro selo, o MP,B, sem a sua participação. Triste para Quartin, que devia ter seus motivos para ser um homem difícil – mas, pelo menos, Coisas aí está.
Foi o último e o melhor disco de “samba-jazz” feito no Brasil daquela época: uma obra-prima de música instrumental, com raízes ardentemente brasileiras e uma certa tintura jungle, ellingtoniana, que parece brotar dessas mesmas raízes. Seria fácil dizer que, em tais raízes, está a música ancestral negra. E deve estar mesmo – mas não só: Moacir era e é um músico completo, que se abeberou de toda a tradição clássica européia, apenas fazendo-a curvar-se à sua orgulhosa negritude. (Foi o primeiro maestro negro da Rádio Nacional, furando a hegemonia – benigna – dos mestres Radamés Gnatalli, Leo Peracchi e Lyrio Panicalli.) E Coisas é o epítome da sofisticação e da modernidade que impregnavam alguns criadores daquela fase, empenhados em buscar nos ritmos populares do Nordeste e dos morros do Rio as bases para uma revitalização da música brasileira. Coisa n.º 6, por exemplo, que soa como um baião de quermesse, tornou-se Dia de Festa ao ganhar letra de Geraldo Vandré e foi gravado pelo mesmo Vandré. Nas outras faixas, misturados a improvisações jazzísticas, riffs e ataques de big band, há ecos de xaxado, coco e maracutu.
Mas, alto lá: com Moacir (assim como em Baden Powell), não tinha essa demagogia de recolher folclore – a música saída “do povo” era apenas uma plataforma para toda espécie de pesquisa melódica, harmônica ou rítmica. A prova está logo de saída, na primeira faixa (Coisa n.º 4), em que o sax-barítono e o trombone-baixo começam uma marcação pesada e repetitiva que se estende por todo o número e, em contexto mais “primitivo”, talvez fosse feita por tambores. Era a África, sem dúvida, mas filtrada pelo Beco das Garrafas, em Copacabana – por mais que isso fosse perigoso politicamente. O texto de capa do LP original, escrito por Quartin e reproduzido no encarte do CD, sentia a necessidade de enfatizar que Moacir Santos não era um músico "de direita" ou "de esquerda", mas apenas um músico, e a música desconhece a política. Era uma preocupação vigente e, hoje, pode parecer primária ou irrelevante. Mas só quem viveu o clima daquele tempo, com o Brasil ainda no começo da ditadura, consegue avaliar a intensidade da patrulha (exigiam-se "tomadas de posição") e o sentimento de culpa que se apossava dos músicos voltados somente para a arte, estigmatizados por não fazerem de cada acorde um comício.
Pois aconteceu que Moacir Santos, despolitizado como era, também teve de marchar para uma espécie de auto-exílio nos Estados Unidos. Não porque fosse “alienado” ou “participante”, mas pela brusca mudança de rumos na música brasileira a partir do iê-iê-iê, que liquidou com a possibilidade de sobrevivência no Brasil de artistas como ele. A passagem de 1965 para 1966 marcou esse corte – porque, nos três anos anteriores, o próprio Moacir nunca trabalhara tanto e estivera presente, como arranjador ou compositor, em alguns dos melhores discos lançados no país. Apenas em 1963 eram dele os arranjos de Vinicius & Odette Lara, que foi o LP n.º 1 da Elenco; de pelo menos uma faixa (Nanã, em vocalise) de Nara, o disco de estréia de Nara Leão, também na Elenco; de várias faixas de Baden Powell Swings With Jimmy Pratt, idem Elenco, em que Baden toca as Coisas n.º 1 e n.º 2; e de todos os arranjos de Elizete Interpreta Vinicius, lançado pela Copacabana, com quatro de suas canções que levaram letra de Vinicius, entre as quais Se Você Disser Que Sim e Menino Travesso, e com o seu nome em destaque na capa.
Em 1964, Moacir assinou arranjos de Você Ainda Não Ouviu Nada – pelo menos, os de Nanã e Coisa n.º 2 –, o disco de Sergio Mendes & Bossa Rio na Philips que muitos, então, consideraram o melhor do gênero feito no Brasil. Mas, no mesmo ano, esse disco seria superado pelo sensacional Edison Machado É Samba Novo, na CBS, com quatro de seus temas (Se Você Disser Que Sim, Coisa n.º 1, Menino Travesso e o já onipresente Nanã) no repertório e Moacir impregnando todo o disco com o som cheio e noturno de seus arranjos, mesmo nos de autoria do saxofonista J.T. Meirelles. O Brasil era tão outro país que permitia que uma cantora quase desconhecida – Luiza, 22 anos, professora do Colégio São Paulo, em Ipanema –, ao estrear em disco na RCA Victor, tivesse o solicitadíssimo Moacir como arranjador. (O LP, Luiza, não aconteceu, e a excelente cantora, pelo visto, encerrou ali a carreira. Mas é outro legítimo Moacir Santos, à espera de que o relancem em CD.) Nos intervalos, Moacir compôs também a música para filmes com que o cinema brasileiro (“novo” ou não) tentava atingir a maioridade: Seara Vermelha, do italiano Alberto D’Aversa (1963), e Ganga Zumba, de Carlos Diegues, Os Fuzis, de Ruy Guerra, e O Beijo, de Flavio Tambellini, todos de 1964, nos quais nasceram várias Coisas. Tudo isto, na verdade, era uma preparação para o Coisas propriamente dito – que, ao ser finalmente lançado, em 1965, logo teria de enfrentar uma atmosfera adversa à sua proposta. A Forma afundou, o disco desapareceu e, pelas quatro décadas seguintes, o LP só reapareceria ocasionalmente nos sebos – até também sumir deles e se tornar uma preciosidade de US$ 200 no mercado internacional.
O que aconteceria se a lição de Coisas (e de outros discos de seu estilo) tivesse sido disseminada em 1965? Tudo é especulação, mas é provável que a música instrumental moderna brasileira não conhecesse a penúria que atravessou nas décadas seguintes. O próprio Coisas era uma continuação das experiências nos discos menos dançantes das orquestras de Severino Araújo e Zaccarias, escolados nas gafieiras cariocas dos anos 40 e 50. Deve-se citar também o desaparecimento das orquestras de rádio, TV, boates e as das próprias gravadoras como fator decisivo para o declínio da música instrumental no Brasil – porque foram elas que permitiram a existência de um disco como Coisas. Para Moacir Santos, com 40 anos em 1966, só restava ir embora. E ele foi – para Los Angeles, onde já está há 38 anos.
A volta do disco pode completar a redescoberta brasileira de Moacir, iniciada em 2001 com o lançamento de Ouro Negro pelos mesmos produtores da nova edição de Coisas: Mario Adnet e Zé Nogueira. Ouro Negro era espetacular – mas Coisas é o produto original, com Moacir em pessoa, não apenas de caneta e batuta na mão, mas armado de seu possante sax-barítono. Hoje, aos 78, Moacir não pode mais tocar, por problemas de saúde, mas a mão que compõe e arranja é a mesma de há 40 anos.
Ruy Castro
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Cults of rediscovered artists grow quickly and sometimes without much warning; in the 1990s, they have sprouted so rapidly that among the reissues there has hardly been room to appreciate a new young player with something to say. (Who needs Luciana Souza, whose context and range of interests are perhaps not worn on her sleeve, when you’ve got Phil Ranelin, frozen in time, a perfect snapshot of 1970s black consciousness? Or something like that.)
So I am surprised that there isn’t much of a cult around the Brazilian jazz composer and arranger Moacir Santos. Born poor in the northeastern state of Pernambuco, Santos became an itinerant musician, playing around other states in the north, Bahia and Ceará. Toward the end of the 1940s, he moved to Rio de Janeiro, to work in the studios of Rádio Nacional, where staff arrangers were needed. But he saw that popular music was art and vice versa, and he studied the big-band composers as well as took lessons with Joachim Koelreutter, the Austrian composer who was lured to Brazil in the 1950s during the age of modernism and taught a whole generation of Brazilian music makers.
I’ve found little information about what Santos was listening to around the time he made “Coisas”, which was the period right before he moved to Los Angeles (where he still lives) to teach and work on film sound tracks. But it sounds like it was a mixture of two influences: the brass-conscious arrangers who were confortable with West Coast jazz as well as samba – say, Bob Brookmeyer or Gary McFarland – and the new, small-group arrangements heard on so many Blue Note albums of the time, the spacious, intriguing-instrumentation sound of Eric Dolphy’s “Out to Lunch”, say. (If you administered a blindfold test, you’d have people guessing that the vibraphonist on “Coisa No. 2,” Claudio das Neves, was Bobby Hutcherson – it’s the way the dry, clanky chords are deployed in the arrangement.) He was attuned to American currents; he also sensed what was in the air.
The tracks are simply called “Coisas” (“Things”) and numbered one through ten; for some reason, they’re presented out of order. On each track, it’s the structure and timbre that first seizes you: it doesn’t sound based in a genre. The melody of “Coisa No. 1” is carried by baritone saxophone, with sparse counterpoint from muted trumpet and trombone; the rhythm section is a samba setup, with big and small animal-skin drums and an acoustic guitar. The bass lines are minimal, mostly there to help accent the bass drum.
Then it’s the melodies, which are concise, bold things, moving through very nonobvious chord choices. “Coisa No. 5” shows that his gift for concision and piquancy was not unlike Wayne Shorter’s. How the music unfolds! At first it comes on strong, with tuba accenting a military-sounding waltz; then, after the introduction, the song changes to a more flowing six-eight, with trombone taking the melody, tuba and guitar giving counterpoint. In the second chorus, after the trombone, a flute improvisation takes over until the bridge (juxtaposition was Santos’s stock-in-trade), and then Luiz Bezerra’s Getz-like tenor saxophone takes over.
The next song, hinging on a two-chord figure and recorded simply with piano and hand drums, at first sounds like one of Ellington’s stripped-down miniatures from his 1953 “Piano Reflections”. The fuller band does eventually slide in, with vibraphone and a brass section, again with those spare Afro-Brazilian drums. (That there are very few cymbals on this album is a constant source of wonder for American ears attuned to jazz drumming.) The weight and density of the music changes from track to track; there’s an organ (uncredited, and probably played by Santos) on numbers six and ten; there’s a small string section on number eight. Different soloists come to light; you don’t hear all soloists play what they know on each track.
“Coisa No. 5”, otherwise known as “Nanã”, was picked up by the circle of jazz and MPB (Música Popular Brasileira, or Brazilian pop) composers in Santos’s orbit and turned into a hit; more than one hundred versions have been recorded, most of them using lyrics written by Mario Telles. Even before “Coisas” was released in 1965, “Nanã” was recorded by the important Brazilian jazz and pop bands of the day: Os Cobras, Edison Machado’s ensemble, and Mario Castro-Neves’s, too.
Santos did, in fact, record in the States; he made three albums for Blue Note in the 1970s. But they are long deleted, and even in Japan, the land where jazz reissues are plentiful, there’s little interest in rereleasing them.
So there you have it: a foreign jazz arranger with an exploratory and musically sound mid-sixties bent; associations with the loungey Bossa Nova figures (Castro-Neves, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Baden Powell); black-genius stature; obscurity. Why is this man not famous? And why is this CD still unavailable?
Ben Ratliff - extracted from The New York Times Essential Library: Jazz A Critic’s Guide to the 100 Most Important Recordings (Times Books, Henry Holt and Company. New York, 2002)