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No restaurante semi-vazio no Centro do Rio de Janeiro, a happy hour no meio da semana faz pouco para merecer este nome. Na varanda meio escurecida pela estética do apagão, fregueses preferem o lado oposto ao destinado aos músicos. Azar o deles. Estão perdendo uma das hoje raras chances de ouvir J. T. Meirelles, revezando-se no sax e na flauta com Osmar Milito nos teclados. Na década de 60, pequenas multidões se acotovelavam para, nas boates do Beco das Garrafas, ouvir um dos músicos mais brilhantes de sua geração. Se mudou o mundo ou a música, nem vale a pena perguntar. Meirelles, este sim, mudou – e muito – em quase 40 anos: brilhou intensamente na cena do samba-jazz que ajudou a inventar, retirou-se nos arranjos de encomenda quando achou que não tinha lugar para um trabalho autoral e, finalmente, vendeu seus instrumentos e deixou a música de lado por cinco anos.
"Parei de tocar porque perdi a fé na música. Quando um saxofonista como o Zé Bodega parou eu não entendia e nem me conformava. Mas hoje eu compreendo ele, fui contaminado por aquele vírus, não sentia nada quando tocava", diz Meirelles, 60 anos, sem acusar ponta de mágoa e com a veemência que marca suas frases curtas e por vezes hesitantes por conta de uma leve gagueira. "De uns dois anos para cá, achei que ainda poderia ter uma vida útil de, sei lá, mais uns cinco anos. Outro dia, lá na Modern Sound, pintou na cabeça 'Lament', que o Miles Davis emenda com o 'Meaning of the blues' no 'Miles Ahead'. Senti que todo mundo ficou em silêncio. Segui a música como no disco, não improvisei nada e, quando terminei, foi como se alguma coisa tivesse se rompido. Por isso, vale a pena".
Na Modern Sound, som e público são diferentes do restaurante. Marcando ponto todas as tardes de sábado no bistrô que funciona dentro da tradicional loja de discos de Copacabana, Meirelles divide com Délia Fischer (piano) e José Luiz Maia (baixo) sets de standards do jazz e da bossa nova e cumpre mais uma etapa de sua lenta, sólida e bem cuidada volta à música na primeira pessoa, fazendo jus a seu talento. Mês que vem, a gravadora Dubas relança um dos mais cobiçados discos do samba jazz, "O som" de Meirelles e os Copa 5 – que jamais saiu em CD e sua versão de vinil custa exorbitantes US$ 350 no site www.recordresearcher.com. Ali está o fino de suas composições e arranjos – onipresentes no que de melhor se fez na época, como em suas orquestrações para o "Samba Esquema Novo" que lançou Jorge Ben – e um norte para o futuro: "Agora, com o que fiz no passado de volta, faz sentido pensar para frente, num disco com coisas novas e também num livro em que vou contar minha vida e minha experiência", diz ele, que também pretende manter atualizada a homepage muito bem produzida por sua filha e que inclui dados de referências, fotos de época e até partituras.
"O Meirelles é parte de uma geração de músicos sensacionais. O chamado samba-jazz, que mistura gafieira, big band, orquestra de danças e os trios, foi um produto paralelo da bossa nova onde se plasmou a música instrumental brasileira adulta", avalia o jornalista Ruy Castro, que depois da abrangente história da bossa nova de "Chega de Saudade" está reunindo seus escritos sobre o gênero no livro que vai se chamar "A Onda que se Ergueu no Mar". "Ele e outros músicos de seu calibre foram vítimas da jovem guarda, que como todo fenômeno, altera os rumos do mercado do disco. É que nem o sertanejo há alguns anos: o que não vendia muito a gravadora não queria. O jazz americano também sofreu nessa época mas o motivo era mais nobre, os Beatles. Aqui foi por conta do Roberto Carlos mesmo".
Quem nasceu para as madrugadas do Bottle's não podia mesmo ficar à vontade em jovens tardes de domingo. Convivendo com música desde sempre, o adolescente João Meirelles era filho do primeiro flautista da orquestra do Teatro Municipal do Rio, tocava clarinete na banda da escola e até hoje se emociona quando lembra a primeira vez que ouviu Charlie Parker: "Eu tinha 15 anos, parei numa loja na Galeria Cruzeiro. O disco era 'Charlie Parker with Strings'. Fiquei em estado de choque porque aquilo era muito novo mas ao mesmo tempo muito natural para mim, sei lá porque", conta ele, fazendo o paralelo com outra influência fundamental. "Com João Donato foi a mesma coisa: era aquilo que eu queria mesmo sem saber direito como. Mas nunca imitei nenhum dos dois, foi uma influência mais sutil".
Mas a tal da influência do jazz não tinha se manifestado nos primeiros tempos de carreira, mesmo lado a lado com João Donato. Pilotando um trombone de vara, Donato era companheiro do iniciante Meirelles na banda que animava escusos bailes de carnaval na falecida Boate Pigalle, no Posto Seis. "Era coisa para homem casado dar escapulidas à tarde. Eles usavam um uniforme listrado, vermelho e branco, e num ano eu entrei de carona como músico", conta o jornalista João Luiz Albuquerque, que segundo Meirelles foi personagem de sua "puberdade musical". "O Meirelles estava muito à frente de todo mundo. Ele ia lá para casa ouvir discos de jazz e ficava improvisando em cima do guitarrista Barney Kessel. E eu gravava tudo num gravador daqueles de rolo. Acho que ainda hoje ele está muito à frente pela capacidade de ouvir e entender estilos diferentes".
A síntese de tantas influências resultou em alguns dos principais standards do samba jazz, como "Quintessência", "Aboio" e "Solo" e também a participação destacada em vários clássicos da época como "Edison Machado É Samba Novo" – disco do genial baterista da bossa nova com arranjos de Moacir Santos que traz um dream team do gênero – "Os gatos" e "Aquele som dos gatos". Não menos estelar é o Copa Cinco: além de seu líder, o grupo tinha Waltel Branco (guitarra), Roberto Menescal (violão), Eumir Deodato (piano), Manoel Gusmão (baixo) e Edison Machado. O trabalho-solo de Meirelles, com o Copa Cinco, incluiu ainda "O Novo Som", e também o esfuziante repertório de jazz latino de "Tropical" (com a formação batizada como Copa 7 e Meirelles em altíssimos vôos nas flautas) além dos álbuns "João & His Bossa Kings", "The Gimmicks of Sweden", "Brazilian Beat" e "Brazilian Explosion". Depois foram temporadas no México e na Europa, 11 anos como maestro e arranjador da EMI-Odeon, temporadas em casas noturnas, shows com estrelas da MPB. E o silêncio.
"Quando me disseram que ele era o Meirelles, eu quase caí para trás", conta Acchile Barbieri, italiano, 37 anos, há dez no Brasil por conta de sua paixão pela bossa nova. Aqui casou, vive e pretende escrever um livro a partir de uma obsessão tão apaixonada quanto de utilidade pública: a de estabelecer discografias detalhadas do gênero. O encontro aconteceu nas tardes da Pedro Lessa, ruazinha ao lado da Biblioteca Nacional que concentra colecionadores de discos raros da bossa nova em camelôs sofisticados que são freqüentados por muitos estrangeiros em busca de vinis e CDs que não se encontra com facilidade nem aqui nem lá fora. Pelo menos entre os cultores do gênero, o saxofonista voltava a ficar em evidência em 1999 depois de ter participado do Songbook de João Donato dividindo a gravação de "Bananeira" com Ed Motta, que o convidou para o disco.
Da admiração de fãs como Acchile, nasceu amizade e um comovente mutirão afetivo para que o músico voltasse à ativa. Estes admiradores, que se reuniam religiosamente às quartas-feiras num bar do centro da cidade para ouvir gravações raras, compraram um novo sax para Meirelles, botaram em circulação cópias de alguns de seus discos e até o ajudaram a organizar o repertório – muitas de suas músicas sequer eram registradas em seu nome, bem como a marca Copa 5. Vivendo perto dali, num hotel na Lapa, o músico acabou se desentendendo com estes amigos.
"Ele é difícil, sempre foi radical. Por isso acabou muito isolado", diz um outro freqüentador da Pedro Lessa que prefere não se identificar. É um modo, sem dúvida, de ver as posições extremamente firmes de Meirelles, que encarava seu trabalho por encomenda como o de um ator: "Eu entrava e representava o personagem que me pediam. Toquei com o lixo e o luxo, aprendi muito com isso mas nada era meu, por isso 35 anos sem tocar minhas composições, por isso a relação distante", diz ele, que não se anima muito com o panorama da música que se faz agora. "Hoje é que você tem músicos de formação acadêmica, tecnicamente bons, que não tiveram vivência. São presos à partitura. Isso para mim é ler notas, não é tocar. Tocar é emoção", diz ele.
"Meirelles é atemporal, a gente tem uma relação muito boa. Certamente não ouvimos os mesmos discos, mas o convívio é maravilhoso", diz Délia Fischer, parceira nas tardes da Modern Sound e também num show no Hotel Novo Mundo que, no final do ano passado, voltou as atenções para o músico no circuito da cidade. "O que ele faz e sabe não se compara mesmo com nada que está por aí".
Radicalmente fiel a seus princípios, J.T. Meirelles diz que fez o que tinha que fazer. Lembra seu fascínio por Paul Desmond, o saxofonista do Dave Brubeck Quartet, justamente porque ele não fez concessões de espécie alguma – e muito menos à moda. "Ele teve a coragem de ser lírico e não imitar Charlie Parker. O virtuosismo pelo virtuosismo é muito chato. O mais importante para um músico é conquistar sua voz. Quando isso acontece, a gente presta atenção não no que ele está dizendo, mas nesta voz. Acho que aí está tudo do jazz, que é sempre igual e sempre diferente", diz o músico, que não por um acaso solta sua voz num sax alemão Regent emprestado por um amigo, músico amador, que é idêntico ao que tocava na gravação do disco, de 1964. Reconectado com o passado, ele se prepara para o futuro.
Para mais informação, visite o site do Meirelles
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Few albums can be credited as landmarks of a given genre. But everybody agrees that "O Som", the debut album by band Meirelles & Os Copa 5, is the milestone of samba-jazz, the fusion of samba's rhythmic drive with a jazzy flow - a unique and elegant sound, uniting the best of both worlds. Kind of a tortuous bossa nova offspring, it became one of the most appreciated Brazilian music styles around the world - partially because of this record. The album, recorded in 1964, promotes the meeting of saxophonist J.T. Meirelles with a magnificent quartet: Manuel Gusmão (bass), Luiz Carlos Vinhas (piano), Dom Um Romão (drums) and Pedro Paulo (bass). It's original six-track edition became one of the most revered jazz albums of the 60's.
Tracks like "Quintessência" and "Blue Bottle's" (with an inspired piano solo by Vinhas) boast impeccable swing. The group's instrumental samba-jazz incorporates a baião groove in "Nordeste"; and also in the beautiful "Tânia". There's a melancholy touch in "Solitude", which begins with minor keys and evolves to a smooth swing, as in "Contemplação" - with a "Bill Evans tone", as Meirelles himself explains on the CD booklet, which attains the maximum performance subtlety in the album.
4 comentários:
Meirelles e os Copa 5 - "O Som" (1964 - Philips P 632.184 L)
1. Quintessência
(J.T. Meirelles)
2. Solitude
(J.T. Meirelles)
3. Blue Bottle's
(J.T. Meirelles)
4. Nordeste
(J.T. Meirelles)
5. Contemplação
(J.T. Meirelles)
6. Tânia
(J.T. Meirelles)
J.T. Meirelles: saxofone tenor
Pedro Paulo Siqueira: trompete
Luiz Carlos Vinhas: piano
Manuel Gusmão: contrabaixo
Dom Um Romão: bateria
Arranjos: J.T. Meirelles
Produzido por Armando Pittigliani
Infelizmente o link não está funcionando.
De qualquer modo, obrigado pelo álbum.
O link foi consertado. Aconteceu a mesma coisa no disco acima. Agora o rapidshare pede para criar uma conta.
Valeu pelo aviso.
abs
Bom demais. Tem todos os motivos para estar entre os 300 discos importantes da música brasileira: http://300discos.blogspot.com/2009/03/074-meirelles-e-os-copa-5-o-som-1964.html . Coloquei um link para esta postagem no meu blog.
PS: seu blog é demais. Estou sempre dando uma olhada nas novidades ...
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